sábado, 15 de outubro de 2022

Tio Jorge, por favor, me empresta o dragão?

Hoje tocou no rádio do carro a música “Se”, do Djavan. Enquanto cantarolava, lembrando do Gu tocando ela no violão pra eu cantar, veio o pedido a São Jorge e eu imediatamente lembrei de ti. De como te comparavam com o santo guerreiro, por seus devidos motivos. Afinal de contas, tu era meio lunático e achava que tinha um dragão de estimação… [Abriu-se a brecha pra piada e, porque essa é pra ti, eu não podia perder!]

Faz 35 dias. Eu ainda não consigo falar sobre ti com a família lá no Brasil. Dá um nó na garganta, o olho enche d’água. Esse luto tá diferente dos que já vivi.


É porque a gente era muito próximo? Não dá pra dizer, né? Honestamente não consigo lembrar da última vez que a gente se viu. 


A não ser, é claro, que o critério de proximidade não seja frequência, mas presença. Seja tu teres ido a Floripa me ajudar com uma mudança inteira escada abaixo. Seja teres me carregado junto pra Pinhal sabe-se lá quantas vezes em verões de adolescência. Sejam as memórias de quantas vezes a gente passou mal de tanto rir de alguma besteira.


Esses ataques de risos são a tua marca. Sabe que tu és uma das minhas primeiras memórias de ter me achado engraçada. Lembro até hoje do momento. Aglomerados na Partner, movendo da igreja pra festa em um casamento, todo mundo fofocando sabe-se lá o que sobre a última hora. Eu fiz uma piada adolescente e tosca, e todo mundo riu. E depois que todo mundo parou, tu continuou. E não conseguia parar. E eu me senti divertida. Fazer palhaçada pros amigos ou pra prima amada já era parte de mim, mas fazer um adulto chorar de rir era como ganhar um selo de qualidade. E como era bom gargalhar contigo…


Não dá pra contar quantas vezes depois (ou mesmo antes) essa dinâmica se repetiu. Fato, você tinha o riso frouxo. Fato, quando começavas, não tinha como não embarcar contigo. Fato, fosse em festa de aniversário ou velório, sempre dava pra achar a graça em algum lugar. Olhando daqui, até me pergunto se eu não fazia um esforço especial pra te fazer rir. Pode ser. Mas acho que tem mais.


Tu via e ouvia as pessoas. De verdade. Nem todo mundo é assim. Não vou dizer que não tinhas defeito, nem que essa qualidade se estendia a tudo e todos, mas eu acho que esse era o segredo do teu carisma. Tu fazia com que eu me sentisse parte importante da conversa. Era uma atenção que me fazia sentir mais adulta, mais inteligente, mais divertida… pelos teus olhos eu me via uma pessoa mais interessante de estar perto. E eu acho que tu fazia muita gente se sentir assim.


E é por isso que ainda é difícil pra mim olhar pro mundo sem você estar nele. Aqui, de longe, a realidade não se impõe de forma tão pesada. Mas, quando penso no retorno a uma Porto Alegre sem tio Jorge, as lágrimas correm facinho, facinho. Quando penso no encontro com a Gabi, com a tia Ana, ao ver os guris ou o Gu, até mesmo na hora de encontrar meu pai, a primeira coisa que me ocorre é “puta merda, é isso mesmo? Não dá pra rebobinar?”. Que doído. Que saudade.


Meus manos sugeriram que eu tô assim porque não tava lá pra te dar tchau, e que talvez pra eles o processo todo de aceitar já esteja mais encaminhado. E, por que isso fez sentido, pensei em te escrever essa carta. Pra me despedir. Pra te dizer que eu entendo a lógica do merecido descanso depois de todas as tuas lutas, mas que amor não é lógico e no meu mundo egoistinha eu queria que tu vivesse pra sempre. E que tu pode vir me visitar quando quiser. Só não me assusta tipo filme de terror, porque se não vou inventar que tu veio me ver pra dizer que agora é colorado roxo, vamo vamo inter!!!


Obrigada, tio Jorge. Descansa em paz. 🤍

Um comentário:

Gabriela Goerg disse...

💔